quarta-feira, 3 de setembro de 2008

sobre o medidor de felicidade

Que bom te encontrar por aqui. Mas francamente, Ataulfo, enquanto estou entre desenganos, você me vem com lascívias e santidades!
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Você viu hoje no jornal? Inventaram agora um “medidor de felicidade” e chegaram à conclusão que o Brasil ocupa atualmente uma honrosa 22ª posição entre os países do mundo. E tem mais: numa perspectiva de futuro, projeta-se para o primeiro lugar em otimismo, seguido pela Venezuela. Só mais um detalhe – considerando somente a população jovem (entre 15 e 29 anos), a média alcançada pelo “medidor” aproxima-se de DEZ (9,29)!

Eu, esse casmurro de saias, já comecei encasquetando. Foram muitas as perguntas pipocando nesta caixola.

1. Quais os parâmetros de um “medidor de felicidade”? – Freud, há quase um século, atribuía a felicidade a uma subjetivação articulada ao amar e trabalhar. Algo como um sentimento rebote da produtividade e do encontro com o outro. E que certamente os números não seriam bons tradutores. Tudo isso já caducou?
2. Como esse “medidor” diferencia felicidade de alienação? – A avó de uma amiga sempre disse a ela que o anjo da guarda protege até o momento da consciência. A vó já se despediu faz tempo, mas a minha amiga tem dúvidas até hoje sobre a consciência ser um bom negócio.
3. Os pesquisadores que trabalharam com o fantástico “aparelho” atribuíram a dois fatores esse otimismo todo: o econômico e o cultural, mas ora, se os cinemas estão vazios deixando até os poderosos empresários da indústria cinematográfica preocupados; os teatros vendidos para as igrejas universais(!?); e a música – um dos nossos mais valiosos bens culturais – comandada pelos Mcs... de que cultura eles estão falando?
4. Aliás, eles quase não falam mesmo, porque depois dessa citação à cultura como um fator, todos os indicadores são numéricos e fundamentados na receita, supostamente gerada da relação trabalho e renda. Devemos concluir então que realmente é o dinheiro que traz felicidade? A subjetivação de que falávamos está reduzida a alguns números, uma vírgula e duas casas decimais? E o amor?
5. As últimas pesquisas não indicaram o nosso sistema educacional como um dos piores do mundo? E a Venezuela ali coladinha? Será que vamos encontrar felicidade daqui a pouco no supermercado? Enlatada e com o rosto do Hugo Chaves no rótulo? Você vai comprar?

Não sei não, meu caro Ataulfo, mas lembra daquela conversa de milagre econômico? Afinal, onde que entra nessa história os números da dengue? Dos que se alimentam de restos ou não se alimentam, dos que morrem nas esquinas, vítimas da violência em cidades como a nossa, São Paulo, Recife e outras tantas? Será que esses números são milicianos?

Não éramos os filhos de um país que samba e chora? Quando foi que viramos filhos de um país que ri e créu? Acho que você deve ter razão... Melhor ficar entre orações e pedidos de clemência e perdão.

E aí, Ataulfo, o que me diz?

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