terça-feira, 16 de setembro de 2008

latifúndio



Meu amigo, não pude vir te encontrar nesses últimos dias... Que saudade e que falta você me fez. Fui ver meus pais no interior e aproveitei para fazer-lhes companhia num daqueles “eventos de família”, sabe? Durante esses três dias pensei muitas vezes em você. Queria sinceramente compartilhar o olhar. Te explico: você já sabe que minha família é enorme. Meu pai teve quatro irmãos e duas irmãs e minha mãe, cinco no total. Imagina quantos primos tenho? E esses por sua vez já tiveram, quase todos, filhos. Progressão geométrica. É de perder a conta! Agora suponha, e só suponha, a variedade da fauna... É impressionante a diversidade humana apesar de uma mesma origem genética!


Passei a infância atravessando a baía de Guanabara naquelas barcas que transportavam carros, antes da ponte Rio-Niterói, rumo ao norte do estado. A viagem era longa, mas os dias de pé no chão e de frutas tiradas dos pés e degustadas ainda suspensa nos galhos valiam a pena. Hoje, no entanto, não sei se são os olhos infantis que inventam sabores ou se o tempo é realmente responsável por oxidar o gosto de quase tudo. Desta vez, depois de muito tempo ausente dos tais eventos, lá estava eu, perto mesmo que “de fora”, na porta da igreja da minha criancice, esperando a noiva que meu primo também aguardava, só que no altar.


Desse lugar privilegiado como o camarote do rei, contei as linhas que o tempo desenhou nos rostos dos antigos heróis. Alguns já quase sem musculatura, esquálidos, mais pareciam cabides cobertos pelos ternos. Outros, ao contrário, carregavam o sobrepeso como se fosse o fardo da própria existência. Os óculos tornaram-se uma parte do corpo, mesmo que algumas mulheres, mais vaidosas, fingissem tratar-se de um acessório. Estavam todos lá: O tio bancário, pacato e encurvado, que sempre se gabou de sua vida programada e previsível ao lado da mulher, que por sua vez orgulhava-se de nunca ter precisado “de trabalhar pra fora”. Ao seu lado, o tio empresário, que está sendo julgado por um dos escândalos que esse nosso país insiste em nos fazer crer tratar-se de uma banalidade... Meu tio continua livre e rico, com seu filho rechonchudo – profissão: assecla do pai. O que eu lamentava só de olhar, minha prima comentava com o marido como o sucesso familiar. O mais velho dos irmãos, também presente, ressentido de, como o pai, ter falido depois de construir o que todos supunham ser um império. E esses dois irmãos, uma reedição de Caim e Abel. Lá estava também a tia solteirona, que passou a vida cuidando da mãe doente de Alzheimer e do irmão esquizofrênico, ambos presentes in memorian. Havia ainda o casal moralista e silencioso, gente de bem – leão e domadora do Lion’s. E claro, o caçula e sua certeza de que tudo ali era perfeito e que ele, o melhor representante dessa certeza.


Estavam lá as primas gêmeas idênticas, a outra que quase morreu no parto, a mais bonita de todas nós, submetida ao marido ciumento, o gay, o que já foi internado para desintoxicação, a que foi traída, a que foi casada com um psicótico e lesada por querer se livrar dele... enfim, os ingredientes que confirmam o meu sentimento de que toda vida é um drama, toda família uma saga. O tom do texto – comédia, terror ou romance – depende apenas do talento do contador da história.


É bom estar de volta, um beijo, Guilhermina.

PS - E você? Por onde anda?

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