quinta-feira, 30 de outubro de 2008

des-envolvimento

Caro Ataulfo,

Você some, viaja, sem deixar nem um recado na caixa postal... É para isso que elas servem, sabia? Volta (pelo menos foi em tempo de votar) e já vem me dando porrada? E depois, eu que sou passional...


Olha, Ataulfo, num desses dias, durante a tua última ausência, escutei uma história que começou com a premissa “para que haja desenvolvimento é preciso retirar o envolvimento”. De imediato me veio a imagem uterina, de onde precisamos sair para continuarmos crescendo. E por analogia... toda e qualquer redoma ou acomodação obedeceria ao mesmo princípio.

Como você vê, de início, concordei com o interlocutor. Mas foi só. Ele enveredou por um discurso sobre pragmatismo e distanciamento como condições necessárias às boas decisões. E quanto mais o cara falava mais eu me coçava. Reação alérgica, eu acho. Construímos equívocos colossais a partir de premissas razoáveis. Eu pensando que é preciso o incômodo, a provocação para que cresçamos e o cara jogando no time do meu pai, que sempre disse que temos a cabeça acima do coração para pensarmos mais do que sentimos (coisa que ele mesmo não faz, ainda bem).

Há uma coligação pragmatismo-marketing, não há? Adoram frases de efeito; amam números, em especial os relativos e percentuais; veneram citações e títulos; odeiam subjetividade, entrelinhas e interpretações e nos últimos tempos, acreditam piamente “estarem fazendo a diferença” assim como acham que, a próxima revisão ortográfica deveria inserir ao nosso alfabeto o $ como letra.

O que sei, Ataulfo, é que me enfiei nos meus botões enquanto o cara continuava falando para o vazio. Segui percorrendo o labirinto que ele, sem saber, havia me proposto. Eu me indagava, àquela altura, sobre o momento seguinte ao da saída dos invólucros de proteção, impedimentos ao desenvolvimento, quando o desamparo nos toma como uma perspectiva. Deve ter sido diante do vão que alguém construiu a ponte; ou diante do nada que se fez a bússola, não? Ou seja, é preciso inventar? E lançar-se ao seu invento, com tal paixão que da ilusão se faça ato? Então que bicho é esse que nos tira do lugar da presa e nos constitui tecedeira? Que bicho é esse que pulsa, pulsa, pulsa empurrando o corpo a um ritmo próprio e único? Que pulsa-(a)ção é essa que toca os tambores convocando o bando? E segue, na frente, em frente.

No último domingo, 2º turno nas eleições para prefeito, um sorriso ou discreto movimento da cabeça era um cumprimento entre muitos estranhos, todos nós vestidos de verde. Silenciosa conspiração pró-Gabeira. Quase deu, mas os pragmáticos-marketeiros ainda chegaram na frente. Os números venceram as letras ainda desta vez. Na noite do mesmo domingo, anunciada a vitória de Paes, o Rio ficou mais triste. Por isso mesmo, quando seu poema substituiu o jornal finalmente entendi que se temos a cabeça acima do coração é para que possamos pensar a emoção e desta forma, e definitivamente, fazer do luto, ação-manifesta. Conte comigo.



Um beijo,
Guilhermina

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

manchetes cariocas de pouco valor poético


Há um corpo decomposto na esquina

Sob o olhar entediado do verão

“Farmacêutico ingeriu estricnina”.

Toneleros, confluência com Barão

Há um pênis extirpado na latrina

De um quarto do Motel “Céu de Neon”.

A perícia, pela arcada da assassina,

Diz que a dona é da zona do Leblon.


Vende, o filho de um juiz, a cocaína.

Quando preso diz-se só consumidor.

Quando solto, vocifera que a heroína

É a polícia, sob o sol do Arpoador.


Há uma festa que é regada à adrenalina

Onde o êxtase da morte é adolescente.

Não sabemos mais se o bonde é da colina

Da Rocinha ou da Marquês de São Vicente.


Há um avô que é pai do neto.Tão menina

É a mãe, que é filha e amante do pavor.

Escondeu-se a sete chaves, senda e sina,

Descobriu-se na eleição pra senador.


Há um crime no Rebouças que alucina,

Um seqüestro que horroriza e atordoa.

Um pingüim é recolhido na Marina

E um bebê é abandonado na Lagoa.


Uma jovem, só por não ser feminina,

Foi surrada e estuprada hoje cedo.

São nazistas, são “carecas”, são rapinas,

Que invejam toda a Farme de Amoedo.


Tantas fraudes e o estado se arruína.

A cidade é uma anarquia, um pardieiro,

Volta aos Goytagazes, tribo que abomina

Todo o povo do meu Rio de Janeiro.


Município, outro prefeito lhe domina,

Queira Deus que não lhe cave a palmo, a cova

A elite carioca é albina,

Quer, no breu das trevas, a Cidade Nova.


Desprezávamos a alma suburbana,

Além túnel residia a insanidade,

Não chorávamos seus mortos e seus dramas

Como o pobre pode ter felicidade?


Hoje, enfim fundiu-se Urca e Brás de Pina,

E o Leblon não deve nada à Piedade.

Quando espremo as manchetes matutinas

Choram as mães da Zona Sul dessa cidade!



Ataulfo





quarta-feira, 22 de outubro de 2008

desconexas

Dizem que filhos são respostas narcísicas aos pais. Pois nessa, os meus se lascaram porque eu nasci questão.

***

Adorei a idéia de que, apesar de ser difícil para os ocidentais entenderem, na natureza e na arte se produz por contemplação. Disso me ocorre que toda vez em que em plena contemplação me aflijo “pelo tempo que estou perdendo sem fazer nada”; das duas uma: ou estou preguiçosa ou estou neurótica.

***

É curiosa essa história de blog. Os textos vão se sobrepondo sem nenhuma lógica a não ser a dos minutos e horas que se sucedem. Mas então não interessa o pensamento de antes de ontem?

***

Você já reparou a infinidade de referências que a palavra “tempo” assume? A variação climática, por exemplo, ganha esse nome; então o tempo se abre e se fecha. A saudade e a nostalgia podem ser evocadas apenas pelo pronome que o antecede – naquele ou daquele tempo... A atualidade, por sua vez, faz com que o tempo seja nosso. Ao longo ou durante dão pernas ao tempo para que se locomova. Ele pode ser fracionado: um instante. Ou quase infinito, numa Era. É curandeiro na crença popular, e é temido, posto que não pára e assim nos ameaça com a nossa finitude. Quantas vezes é esperança apenas por projetar-se ao futuro? E quantas vezes é trágico simplesmente porque não volta? Uma fração do tempo pode determinar uma vida inteira; e ele pode ser nossa redenção pelos milhões de frações que dele se oferece vida afora. É cíclico e é contínuo, como pode? Se tentamos quantificá-lo, qualquer tanto dele pode ser muito ou muito pouco. É tão real quanto imaginário e tão simbólico quanto real. Múltiplo por definição, é indefinível pela multiplicidade. Quantas palavras lhe cabem e quantos sentidos lhe escapam? E nós? Atravessamos o tempo ou somos a estrada pela qual ele nos atravessa?

Beijo,
Guilhermina

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

um número

Quase todos os dias, meu caro Ataulfo, quando termino de me arrumar para vir ao seu encontro e me deparo com Guilhermina fitando-me no espelho, ela parece me encarar cobrando uma explicação sobre quem é ela e quem sou eu. Às vezes, digo-lhe que é meu personagem; às vezes, que é ela a minha autora. Às vezes, enquanto eu choro, ela ri; outras, no entanto, ela chora comigo e quase sempre se eu calo; ela fala, me convoca, me provoca. Venho até lhe agradecendo a redenção da palavra, roubando-lhe assim a alteridade.


Para a minha surpresa, no nosso último encontro com você foi ela quem se calou. Ensimesmou. Sussurrou quase sem som algum durante todo o dia de ontem “onadacomomatériaprima... o nada...” Hoje fez uma catarse. Começou logo pela manhã chamando dinheiro de merda. E eu tentando alertá-la de que dinheiro é ouro! Ela abanava o ar, praguejava, mandou eu enfiar o dinheiro naquele lugar e chispando, continuou em tom de ameaça, me avisando que “nem tudo que reluz é ouro” e que, onde o diabo sobra, também sobram egoísmo e arrogância e onde ele falta, fabricam-se otários que se vendem por qualquer trocado. Depois, ainda irreconhecível, colocou a Imagem na berlinda. Gritava que, atualmente, ninguém é, no presente do indicativo. Todo mundo parece. Ela espumava, ofegante, os olhos congestionados e eu, confesso, estava começando a ficar nervosa. “Parece o quê, Guilhermina?” Arrisquei perguntar.


“Cada um parece o que bem lhe interessa. Um camaleão.”


“Mas isso não é inteligente?” Arrisquei de novo.


“Inteligente?! Hipocrisia e oportunismo. Isso é que é!”


Sem fazer intervalo, ela emendou que eles iam conseguir nos transformar em um número. RG, CPF, IP, IDs, telefone, tudo, absolutamente tudo inscrito sob um único número. Sem nome, sem sobrenome, somente um serial num chip, implantado sob a pele. Uma reedição da marcação do gado no pasto e depois dos judeus, quando um insano os colocou, sob os olhos do mundo, na fila do gás. Mais que dinheiro, é assim que se roubam almas.


Não agüentei mais e dei um grito. Ao mesmo tempo um basta e uma oração. Se há um Deus, que nos livre! Então Guilhermina despencou no sofá, aos prantos. Disse que você tinha razão. Era hora do nada como matéria-prima. E que ela tinha medo. Disse que o tempo era seu maior algoz. O tempo que pode curar, mas que também oxida; como nos disse Dona Flores. O tempo dos anos que pesam as pernas e os ombros enquanto desenha linhas no rosto e nas mãos. O tempo que determina um calendário de faturas a pagar e urge em compromissos. O tempo que só anda numa direção. Sem retorno, revisão ou retrocesso. Implacável em sua permanência. Uma contínua e infinita ampulheta que alimenta sua duna esvaziando o espaço-ato de cada existência. Um tempo que se acumula em cada um por sucção vital.


Guilhermina dizia-se atrasada, irremediavelmente atrasada. Precisava seguir seu conselho e encarar o nada até que nele um desejo desenhasse um horizonte, mas o que fazer com o medo de que seu algoz se antecipasse, numa condenação definitiva, que lhe roubaria a sobrevivência?

Tomei-lhe nos braços desejando ser-lhe útero, mas ela me afastou. Pela primeira vez no dia, a delicadeza lhe visitou rascunhando um sorriso e com voz pausada, mas firme, ela me disse: “no nada só é possível entrarmos sós”.


Um beijo,

Guilhermina, a outra.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

ausência

Quando estou perto, finjo que me ausento,

Se me ausento, finjo que estou perto.

E finjo, assim, a gravidez do tempo

Fingindo a noite em pleno dia aberto


Até meus olhos fingem-se chorar

Tentando, enfim, a compaixão dos céus.

Fingir é o ofício de tentar burlar,

Mas vão é o vício de burlar a Deus


Quando me finjo foge-me a visão,

Cega-me o breu, finge-se clarão,

Burla-me o fim do próprio fingimento


Quanto mais cego, mais percepção,

Quanto mais perto, mais escuridão

Quanto mais tato, mais de ver me ausento!

Ataulfo

sentinela da sombra


Assombrada Guilhermina,

Sentir medo da própria sombra não soa-me tão grave. Pior é, se no reflexo da luz do abajur, na parede do seu quarto, a sua sombra não projetar-se. Perder a escura sentinela! Atravessar as areias da praia do Leblon, domingo, meio-dia, verão inclemente e, sob os pés abrasados, os seus olhos não perceberem a negra siamesa deformada pelos buracos, latinhas amassadas, fezes caninas ou bundas variadas. Nada, nada, nada! Muito pior, cara amiga é a fobia, o temor apavorante, o pânico de não detectar a sua guarda costa de ébano. O sumiço da “fosca”! É pós curto-circuito! É a incompreensível conclusão da inexistência da sinapse. Esse, amiga, sou eu. Encontro-me um passo a frente da sua insanidade. Não projeto mais a minha sombra. Ou será que ela é que não me projeta? Infelizmente, caríssima companheira, o mundo que pendurei, a óleo, na parede do hemisfério esquerdo do cérebro, confundiu-se, após o último policia e ladrão que brinquei com uma aquarela do Bispo do Rosário. Só por curiosidade, a farda do policial serviu no ladrão e, ao matá-lo, matou-se.

Guilhermina, obsoleto é quem acredita no presente. O mundo moderno é composto, apenas de passado e futuro. Nada mais. Se a menor fração imaginável de tempo já é parido no presente-passado resta, somente, o impulso do sonho e a força da causa, para, através da vontade criar o próximo momento: o Futuro! Nasce, então, surpreendentemente, a esperança e a construção do amor, do ventre do niilismo. Da ausência total. Do NADA! O nada é, na realidade, o avesso do buraco negro. Enquanto o último suga, o NADA, o inexistente, expulsa, vomita, escarra a molécula criativa. NADA, quem sabe, não é o pseudônimo de Deus? Através das explosões do vazio iluminado, ofuscante, talvez eu recupere a minha sombra e você, Guilhermina, reate com a sua e cure-se dessa intolerante síndrome. Acho que você precisa criar intimidade com o NADA. O planejamento do medo é alimentado pelo que suga, que acumula, pela lixeira. É a arma principal do Arquiteto da Destruição: o buraco negro que acumula o pior do bípede pensante. Escória, pária, gangue dos espertos! O Verme veste terno e gravata, quebra as bolsas de Nova Iorque, Europa e Ásia e, após uma repetição exaustiva do caos, balança os nossos alicerces éticos e veda a capacidade adquirida da convicção dos valores nobres do caráter, passada de dinastia a dinastia, através do horror do “o que sobrará para os nossos filhos?” O Verme é charmoso e a sua moeda bélica é lastreada pelas amputações e fome do continente africano. Ele não conhece ou ama nada. Ele só suga, sorve!

Mudando de assunto para ficar suportável. Não sabia da relação da luz com a libertação do espirro. Apesar de que, a LUZ pode tudo.

Gui, é alarmante o processo de liberdade vigiada da população mundial. Londres, querida, já tem postada sobre a cabeça saxônica quatro milhões de câmeras. O Rio de Janeiro, duzentos e sessenta mil. Vamos olhar por um prisma mais otimista? Já podemos montar o nosso espetáculo “Estilhaços de uma Nação que Dança e Lacrimeja” em plena via pública. Há de ser o mais original DVD do século. Sem uma lei de incentivo, sequer! Duzentos e sessenta mil câmeras... já pensou?!

Amiga, se você, por um segundo, perder o medo da sua sombra, vá e peça a ela que corra e diga para a minha que eu entrego os pontos!

Beijos esquizofrênicos
Ataulfo

PS: outra maneira de sentir....

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

curto-circuito

Ataulfo, meu caro Ataulfo,


Socorro! Não tenho idade para ser senil então acho que estou ficando maluca. Dei pra ter medo da sombra e tenho a impressão de que dormi sã e acordei assim. Logo eu, que estudei tanto para cuidar de cabeças alheias não sei direito em que sinapse o curto-circuito aconteceu. Ou seria melhor dizer em que circuito a sinapse não aconteceu? Por favor, e vou te pedir baixinho, que essas coisas só se falam para os mais íntimos: desenha o mundo pra mim que eu não mais o compreendo.


Cresci brincado de polícia e ladrão. E a regra era clara: ladrão roubava e fugia, polícia perseguia e vencia. Agora não? Então qual é a diferença? Agora não tem? Que é isso que você está me dizendo?! Não é possível! Acho que você anda obsoleto, hein?


Mas olha só, eu ainda era bem pequena e depois de “por favor e obrigada” que era o be-a-bá em educação, aprendi que a verdade era um mérito, irmã da honestidade, e ambas premissas dos homens de bem. Um pouco mais tarde, acho que já quase graduada na matéria, compreendi que vez por outra todos escorregavam defendendo algum interesse particular. Mas, àquela altura já havia recebido uma dose extra-forte de envergonhamento – um sentimento que sempre se apossava do sujeito que cometia esse deslize e que por isso, ou tentava se redimir ou tentava se esconder. Se insistisse por aí, a sentença era definitiva: escória. E esse era um grupo ao qual não se queria pertencer. Quando foi que mudou de nome? É verdade que agora se chama esperto? E como tal deve ser revelado exemplo?! Se isso for um fato, meu caro, acabo de constatar que ensinei tudo errado aos meus filhos... Não é possível! Acho que você anda caducando, hein?


Está bem, vou mudar de assunto. Outro dia fui ao restaurante e de repente, um espirro preso. É. Isso mesmo, não ria. Um espirro. Só isso. Deve ser essa mudança louca do tempo. Olhei para o teto procurando a luz. Para de rir, Ataulfo, olhar para a luz solta o espirro, você não sabia? Sei disso desde a minha avó... Pois pasme. Procurei a luz e vi que sobre mesa sim, mesa não, coladas no teto, havia câmeras por todo o ambiente. Quando foi Ataulfo, pelo amor de Deus, me responda, quando foi que deixei de ser cliente e passei a ser suspeita?


Andei em estado comatoso? Fala a verdade. Sem dó e sem piedade. Se você não me disser, quem o fará? Semana passada, tentei conversar numa roda pequena. Ingênua e saudosista foram as melhores palavras que me dedicaram. E as expressões físico-faciais que as acompanhavam não eram exatamente lisonjeiras, o que me fez deduzir que saudade e ingenuidade também não são mais substantivos bem-vindos. Ou aquelas pessoas queriam apenas ser cruéis? Sei lá... De repente a crueldade virou uma benfeitoria... Moralista! Demorei mas lembrei. Foi esta a outra palavra com a qual me (des)qualificaram. Moralista, eu? Confesso, ia começar um pequeno discurso sobre a diferença entre moral e ética, mas desisti. Algum anjo da guarda me soprou no ouvido que seria como falar num dialeto.


Como você vê, ando ouvindo vozes, ando emudecendo, ando derivando.

Um beijo
Guilhermina

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

andante



Às vezes me suponho penetrante

De falo ereto, peito erguido e arrogante

Um protetor, ou caçador e militante

Por minha Causa, um caixeiro viajante


Às vezes te imagino minha amante

E na entrega do teu corpo me confirmo

Assim viril, de Deus me aproximo

E no inferno reino como Dante


Às vezes te possuo como errante

Sou teu filho, teu senhor e meliante

Se me entrego, primeiro te domino


Então o real me invade como antes

E te anseio em mim um navegante

Assim me ofereço tua amante


Guilhermina

lactante


Às vezes me imagino lactante,

De seios tão maternos e argentinos,

Com o ventre engravidado e transbordante

De água, de placenta e de meninos.


Às vezes me imagino minha amante.

Com as linhas do seu corpo, me defino,

Maternalmente sinto, delirante,

O exclusivo orgulho feminino.


Às vezes, posso mesmo ser pedante,

Sentir o homem, assim, como assaltante,

E a paternidade, discrimino,


Mas a realidade é tão frustrante...

Devolve logo as linhas da amante,

E eu volto à condição do masculino.


Ataulfo

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

pressat

Guilhermina, querida;


Sei que o teu coração há de perdoar-me pela demora e silêncio. É só ausência de corpo presente, bem o sabes, tenho certeza.


Hoje, terça-feira cinza, prenúncio de chuva, pouca grana... Primavera? Frente fria! Quatro xícaras de café, dois ovos com presunto, dois pães escorregando na manteiga e um comprimido de “Pressat” para controlar a hipertensão. Sem dúvida, é bem melhor que “Activia” e um pedaço de queijo anêmico para iludir a obesidade. E o jornal? Artigo para perder o dia. Festa de Baco na metrópole. Um pouco de tudo. O plágio do teu cabeçalho de domingo retrasado, demonstra que, fora o caos econômico instaurado e o teatro de comédia das eleições, bastaria reeditar o jornal de domingo nesta terça-feira! O mundo continua aplicando doses homeopáticas, paliativas, na crise; a cocaína continua entrando pelos sertões nacionais; o Supremo e o Tribunal Superior, através de seus ministros presidentes, continuam ACHANDO-SE e o Itamaraty reafirma sua política de donzela diante das ações equatorianas assim como agiu diante do quadro venezuelano e boliviano. Acho que algumas empresas nacionais, postadas em territórios estrangeiros, na América do Sul e África, principalmente, passam às vezes do limite sim, mas, declarações cercadas de um tom agressivo como usou Morales e Chaves e, agora, Correa, devem ser respondidas com veemência. Essa diplomacia de vaca-madrinha não me agrada. Dizia minha velha vó:¨”quem muito se abaixa o fiofó aparece”.


Gui, o pai de Ata e Atufon Maravilha foi eleito em Goiânia. Mostrou-se artilheiro também na política. Qual é o partido? Não vi. Falha minha.


Cá, na doirada terrinha que São Sebastião apadrinhou, montou-se um circo de incoerências. Imagine o PT e, pasme, talvez, o PCdoB apoiando o Paes. Avermelhe-se, core-se! O DEM, o Gabeira! Vivemos tempos sem idealismo onde a causa é, vergonhosamente, um cenário abstrato para coadjuvar, no palco do populismo, o concretismo oportunista e seu monólogo repetitivo. Aplaude quem quer. Eu, particularmente, apesar de entender as tramas enlameadas que a política arquiteta para alcançar os mais vis objetivos e sobrevivência do seu candidato no pleito, não concordo e não posso compactuar com as cabeças mais retrógradas e reacionárias da nação. É a ARENA, o PFL, enfim, o DEM!!!. O Fernando não precisa de alianças partidárias neste momento. Elege-se pela sua história e pela raridade de virtudes do outro. Hei de votar no Gabeira, claro, mas, ao redor da candidatura, no segundo turno, forma-se uma aliança preocupante. Deus queira que o equilíbrio e coerência que o Fernando sempre demonstrou, sejam suficientes para a administração de tal conluio, se eleito for. Temo dever politicamente aos Maia, pois para paga-los só “privatizando os lucros e socializando as perdas”. Salve Nouriel Roubini”! Em relação ao partido da minha querida amiga Jandira, se realmente confirmar-se o seu apoio ao outro candidato, creio que sofrerá com as aparições noturnas dos espectros do Prestes e João Amazonas. Abandonarão o ateísmo ou viverão sem PAES. Perdão, essa foi horríve!.


Mudando de assunto. Mande beijos para Rita e Dona Flores. Mandam abraços o Bartolomeu e o Da Costa. O Da Costa desce a ladeira todas as manhãs, faça chuva ou faça sol, para o joguinho de vôlei com o “Bartô”, em frente a João Lira. Precisamos aparecer. Amei o artigo sobre as candidaturas à vereança e os nomes cômicos dos mesmos. Ainda vou comentá-lo.


Saudade


PS: Acho que todo protagonista de novela brasileira deveria morrer no primeiro capítulo. Obviamente não haveria o segundo!!!! AMÉM!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

primeiro turno

Perdi a conta de quantos assuntos estão pendentes, mas você não aparece! Passo por aqui a sua procura e nada. Cansou de mim? Você sabe, um atraso e já me sinto abandonada... Tanto tempo de silêncio é um desamparo! Quase irremediável.

O mundo está mais caótico que no domingo passado. As bolsas de valores (os homens chamam assim!) despencaram por toda a parte. Anunciaram a morte do trema e de outros diferenciais para a nossa língua. O tempo não acha direção: é um tal de frentes frias e quentes que em breve, quando determinarem o horário de verão em plena primavera, estaremos em dúvida se o inverno realmente acabou. Hoje mesmo o mês (será que esse acento vai permanecer?) virou, mas isso não impediu mais um domingo de chuva fina.

Fui votar. Primeiro o dever cívico, mas depois corri para a nossa esquina crente de que hoje você não me escapava, e... nada. Comi uma coisa correndo e resolvi ir pra casa acompanhar a apuração. Medo, meu caro. Muito medo da falta de opção. Mas, ufa, segundo turno. Acalanto alguma ilusão. A chuva engrossou mais um pouco, ralentando o dia. Resolvi então conferir os nossos próximos possíveis vereadores. Pra que! Querido, são 27 partidos nos oferecendo 1.224 candidatos! Temos dois partidos comunistas, o Brasileiro e o do Brasil. Sete trabalhistas: pra tudo que é gosto – Cristão, Renovador, Socialista Unificado, Brasileiro, do Brasil, Nacional e sem sobrenome... Partidos Socialistas, Democráticos, Republicanos, Progressistas e Liberais são todos, claro! É difícil decidir.

Vamos aos candidatos afinal. Generalizações são sempre perigosas, uma tangente do preconceito. Num levantamento rápido, perdi a conta de quantos “Doutores” e “Professores” tínhamos à nossa disposição e você sabe, candidato tem nome artístico. O Dr Magnelson, por exemplo, está sem chance, mas o Prof. Uoston, com seus 14.281 votos, no mínimo deverá ser suplente... deve ser gente de respeito, você não acha?

Para ser candidato, fiquei sabendo que é necessário ser brasileiro; alfabetizado; ter maioridade; gozar o pleno exercício dos direitos políticos; estar listado eleitoralmente; há pelo menos um ano ter domicílio eleitoral na circunscrição e ser filiado a um partido político. Condições cumpridas portanto por candidatos como Tarzan, Sombra, Papai Noel, Cheiroso e Bacana. A nossa sorte é que eles foram ultrapassados por Betinho Já É!!! (as exclamações fazem parte do nome) e Edivaldo Popular Baixinho, que por sua vez também ficaram para trás. Já pensou a Câmara dos Vereadores que eles comporiam?

Mas, cá pra nós, a democracia é realmente nobre. Estavam lá, com número, partido, coligações e pleito o Tuninho das Bicicletas, o Waltinho da Academia (e o Claudinho também), o Joca da Quitanda, o Jorginho da Guarda, e o das Vassouras. E chefiando essa turma, meu amigo, disputando o nosso voto, o Cícero do Jegue e o Barriga do Açougue.

Tinha o Vovô Golçalves, o Zé da Vó e o Wilsinho Xodó da Vovó. Impressionante! E com esse negócio de que a gente só pode escolher um, fica complicado. Como decidir entre Margarida das Comunidades e Maria Chupetinha? Me diz! Gasparetto ou Gasparzinho? Hein? Pensas que acabou? Não estamos nem na metade. Fiquei louca com uma turma da pesada. Malandro bom sabe? Daqueles da Lapa no tempo do terno de linho e chapéu Panamá. Saca só a lista, todos eles esperando por você: Pedrinho Fogo Puro, Raimundo Camelô, Jorge Baixa Renda. Esse deve ser honesto! Tal qual Julio César Cidadania, com nome de imperador e tudo. É pra ficar na história! E Gilberto Tt Barão, Pantera Van Q Vem, Tião Bigode... O que dizer de Rutinaldo Mofato! E de Alcoobola?!

Já me via caminhando nas ruas estreitas de paralelepípedo, apreciando a noite de outros carnavais, quando fui surpreendida de jeito. Pela honra do meu voto, pregando na praça estavam Kaká da Fé e o Pastor Nilson O Abençoado. Disputavam aleluias com A Bispa Lourdes P Glória de Deus e com a Graça Abençoada. Todos em coro. O Senhor seja louvado!

Um caleidoscópio do povo! No desespero, tanto deve valer a fé quanto a magia. Tem lugar até para o Amigo Mago e o Abracadabra. E há também o grupo da redenção: Luiz O Enfermeiro do Povo ou Ari Virgínio O Remédio, além do Corrêa Neles. Nesse espírito tão afetuoso foi triste saber que Carlinhos O Seu Querido não conseguiu nenhum voto, tadinho, não deve mais ter mãe...

Acabei comovida realmente com o Talbinha. Ele prometeu lutar contra as enchentes. E disso, o Rio tá precisando. Quanto mais nesses dias assim... Vou dormir tranquila hoje. Já sem trema, antecipando os novos tempos, quando o Rio há de ter solução.

Continuo te esperando, saudade;
Guilhermina

PS. A segunda amanheceu seca. E agora já é fato, para vereança teremos por longos quatro anos a família Garotinho, o Bombeiro Girão e Carminha Gerominho. O povo é tão soberano quanto sua lucidez, certo? Como será que andam as pesquisas para habitarmos a Lua ou Marte?