quarta-feira, 15 de outubro de 2008

sentinela da sombra


Assombrada Guilhermina,

Sentir medo da própria sombra não soa-me tão grave. Pior é, se no reflexo da luz do abajur, na parede do seu quarto, a sua sombra não projetar-se. Perder a escura sentinela! Atravessar as areias da praia do Leblon, domingo, meio-dia, verão inclemente e, sob os pés abrasados, os seus olhos não perceberem a negra siamesa deformada pelos buracos, latinhas amassadas, fezes caninas ou bundas variadas. Nada, nada, nada! Muito pior, cara amiga é a fobia, o temor apavorante, o pânico de não detectar a sua guarda costa de ébano. O sumiço da “fosca”! É pós curto-circuito! É a incompreensível conclusão da inexistência da sinapse. Esse, amiga, sou eu. Encontro-me um passo a frente da sua insanidade. Não projeto mais a minha sombra. Ou será que ela é que não me projeta? Infelizmente, caríssima companheira, o mundo que pendurei, a óleo, na parede do hemisfério esquerdo do cérebro, confundiu-se, após o último policia e ladrão que brinquei com uma aquarela do Bispo do Rosário. Só por curiosidade, a farda do policial serviu no ladrão e, ao matá-lo, matou-se.

Guilhermina, obsoleto é quem acredita no presente. O mundo moderno é composto, apenas de passado e futuro. Nada mais. Se a menor fração imaginável de tempo já é parido no presente-passado resta, somente, o impulso do sonho e a força da causa, para, através da vontade criar o próximo momento: o Futuro! Nasce, então, surpreendentemente, a esperança e a construção do amor, do ventre do niilismo. Da ausência total. Do NADA! O nada é, na realidade, o avesso do buraco negro. Enquanto o último suga, o NADA, o inexistente, expulsa, vomita, escarra a molécula criativa. NADA, quem sabe, não é o pseudônimo de Deus? Através das explosões do vazio iluminado, ofuscante, talvez eu recupere a minha sombra e você, Guilhermina, reate com a sua e cure-se dessa intolerante síndrome. Acho que você precisa criar intimidade com o NADA. O planejamento do medo é alimentado pelo que suga, que acumula, pela lixeira. É a arma principal do Arquiteto da Destruição: o buraco negro que acumula o pior do bípede pensante. Escória, pária, gangue dos espertos! O Verme veste terno e gravata, quebra as bolsas de Nova Iorque, Europa e Ásia e, após uma repetição exaustiva do caos, balança os nossos alicerces éticos e veda a capacidade adquirida da convicção dos valores nobres do caráter, passada de dinastia a dinastia, através do horror do “o que sobrará para os nossos filhos?” O Verme é charmoso e a sua moeda bélica é lastreada pelas amputações e fome do continente africano. Ele não conhece ou ama nada. Ele só suga, sorve!

Mudando de assunto para ficar suportável. Não sabia da relação da luz com a libertação do espirro. Apesar de que, a LUZ pode tudo.

Gui, é alarmante o processo de liberdade vigiada da população mundial. Londres, querida, já tem postada sobre a cabeça saxônica quatro milhões de câmeras. O Rio de Janeiro, duzentos e sessenta mil. Vamos olhar por um prisma mais otimista? Já podemos montar o nosso espetáculo “Estilhaços de uma Nação que Dança e Lacrimeja” em plena via pública. Há de ser o mais original DVD do século. Sem uma lei de incentivo, sequer! Duzentos e sessenta mil câmeras... já pensou?!

Amiga, se você, por um segundo, perder o medo da sua sombra, vá e peça a ela que corra e diga para a minha que eu entrego os pontos!

Beijos esquizofrênicos
Ataulfo

PS: outra maneira de sentir....

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