quinta-feira, 21 de maio de 2009

filme - por Eduarda

Querida rainha,

Faz um bom tempo que tento arrumar minhas idéias que, mais recentemente, embaralharam-se. E está parecendo que elas assim permanecerão, já que não há nenhum sinal de ordenação à vista. Por isso mesmo, tento escrever. Usar as palavras nos ajuda a pensar.

Mesmo nesses tempos difíceis, para alguns, pensar ainda desembaralha as idéias. Sem aviso, de repente e mais do que em outras épocas, surgem aos borbotões pensamentos, perguntas, sensações e imagens sobre o que eu vivi e vivo. Deve acontecer com todos esta curiosa vontade de tentar dar sentido ao que se é, ao que se quer e ao que se faz... Principalmente aos cinquenta. Recém chegados.

Surge, mais do antes, uma vontade estranha de tentar saber como é que foi mesmo a vida até aqui. Como se estivéssemos pra lá da metade de um livro e nos perguntássemos se estamos gostando. E junto com essa vontade vem quase sempre, em seguida, a mais do que conhecida e óbvia constatação: não é que tudo acontece muito rápido? Sem dúvida.

E aí, nesse vai e vem de indagações, vontades e constatações e apesar da correria que nos assola a todos, achei que nesta altura do campeonato seria interessante.,, afinal de contas, fazer uma pausa para uma... como direi? Avaliação, de como tem sido a minha vida.

Outro dia me ocorreu que seria muito bom se houvesse... sei lá... um tipo de filme, que pudesse nos ajudar a entender mais e melhor como tudo aconteceu.

Seria mais ou menos assim: ao chegar aos cinquenta, você receberia um mail, te convidando pra assistir ao compacto dos melhores momentos da sua vida. E aí... num click, lá estariam as casas, os brinquedos e brincadeiras, a família, a primeira bicicleta, as escolas, o primeiro namoro, depois todos os outros, os amigos, as viagens, as músicas, os livros, as escolhas, os erros, os acertos, as dúvidas, as certezas, a chegada dos filhos, o crescer dos mesmos, uff! Enfim... quase tudo. Claro que com som, cheiros e luzes em tempo real. Pra te deixar boquiaberto.

E te fazer pensar.

Quem sabe, depois de relembrados e um pouco mais bem informados sobre nós mesmos, estaríamos mais preparados para iniciar mais esta grande aventura da vida: envelhecer de vez; e se possível, achando tudo muito legal.

Acaba de me ocorrer se teríamos feito a mesma coisa se soubéssemos que estávamos sendo filmados. E pior: e se nos 100 alguém inventasse de mandar um mail sobre a segunda metade e o final não fosse lá grande coisa?

Vou tentar sem o tal filme mesmo.
O tempo urge.
Se as idéias se arrumarem dou notícias mas vou poupá-la do resultado da avaliação, claro.

Beijos.
Eduarda

quarta-feira, 18 de março de 2009

para Guilhermina

Guilhermina, querida,

Após várias chicanas e sofismas da vida, encontro tempo para escrever-lhe. Quero agradecer-lhe pela acessibilidade complacente do seu coração e das suas palavras quando do artigo generoso referente ao projeto “Procopiando na Rotunda”. Somente as almas disponíveis conseguem exaltar e enaltar, em tempos de tanto egoísmo, o trabalho de outros pelo simples prazer da faculdade de contemplar.

É certo que, devolveu-me, a companhia de teatro, estilhaços esperançosos de uma nova Causa e fragmentos regenerativos da Paixão, mas, os olhos solidários dos companheiros são, como portos abstratos e marejados, a certeza, e única, de que o momento universal é da primeira pessoa do plural. Isso ainda não foi detectado pela era planetária. Será a fórceps, se preciso, mas será!

Você, querida Guilhermina, é um desses portos gravitacionais e, emocionado, agradeço-lhe por sê-lo e por tê-la. Tais virtudes instigam-me e tornam-me mais e mais laborioso no exercício do próximo. Obrigado!

É magnífico, nesses tempos tantos que vivo, sentir-me, novamente, um desbastador, talhador de seres, enfim, um lapidador no melhor significado da palavra. Os meninos, cara Guilhermina, devolveram-me a instigação, a criação e o direito de escolher a opção natural pelo operoso. Devolveram-me, gentilmente, o que eu mesmo roubara de mim. Só isso, basta! Regenera!

Por tudo isso, ainda que finde falando na primeira pessoa, não tenho duvidas que, divinamente, o NÓS há de tornar-se o EU.

Saudoso e carinhosamente,
Ataulfo

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

procopiando na rotunda - sonho e causa

Queridos,

Encontrei Ataulfo. E não sei se serei capaz de descrever-lhes a felicidade em que estava! Procopiando na Rotunda, chorava e ria, ria e chorava, no meio dos meninos, “teatrando”.

Então compreendi seu sumiço, ainda que jamais possa não me ressentir da sua ausência. Mas foi capturado por uma galerinha que vive da dureza. Sobreviventes. De suas próprias histórias, de nossa sociedade perversa, de desigualdades. E que, por isso mesmo, não podem prescindir de sonhar. Sob pena de ficarem sem saída.

Ataulfo primeiro tomou-lhes os sonhos por empréstimo, acho que para reaprender os seus próprios. Depois, fez dos sonhos dos meninos sua causa... acho que pela saudade da paixão. Reencontrou o amor? Ah... amor precisa de tempo. Que ele venha pra nos contar.

O importante é que neste sábado, segurando a chuva nas mãos pra não estragar a festa, ele estava lá. Lá no Terreirão, comunidade do final do Recreio. Final? Meio, talvez, eu não sei... Mas é reta de uma vida inteira.

Ataulfo estava mais moço, os meninos mais velhos. Nascia, no peito e na raça, a Cia de Teatro Procopiando na Rotunda. Céu aberto. Tempo fechado. No tablado, Lua com Limão – uma crônica deles mesmos. O texto também é sobre o sonho além da sobrevivência. Apesar dela.

Impossível não comemorar com ele. Tão impossível quanto o ressentimento por sua ausência de mim. Mas amigo não é assim? Sentimento ambíguo? Desejo de proximidade e comemoração da felicidade alheia?

Engraçado essa coisa do medo da ambiguidade... como se Dona Verdade fosse coisa inteira. Pois só reconheço esta senhora partida, multifacetada, cheia de ângulos e sinuosidade.

Ah, meu querido Ataulfo, eu te desejo toda sorte de sonhos! E se a eles, você chamar de Causa, então, te desejo a resposta, afinal, foi no caminho desta coisa – a única impossível de prescindir – que nos irmanamos um dia, lá se vão... 20 anos?!

Como disse Bethânia, num show realizado quando eu ainda era menina: “Pássaro da Manhã”... Esse show acontece em estado de emergência... porque lhe falta a resposta. Resposta essa que espero que alguém no mundo me dê...

Não é mesmo assim a vida?

Com o melhor de mim,
Guilhermina

PS pra vocês conhecerem, estão aí os primeiros passos da Cia Procopiando na Rotunda.
Beijo em todos,

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

cartas alheias



meu caríssimo Ataulfo,

Nem sei se você viu, nem sei se você soube, mas uma Poetriz caminhou por nossos porões, quando a porta resistente à sua partida permaneceu entreaberta.

Dizem que é assim mesmo. Por uma fresta da alma, por uma nesga de luz, um universo inteiro pode nos visitar. Mas não há motivo para susto ou ressentimento, ao entrar ela retirou o pó dos baús, e as teias que já costuravam as arestas. Fez isso somente para matar sua saudade da sua própria saudade. E eu, que nem sabia que isso era possível...

De toda forma, ao fazer isso, a Poetriz colocou o dedo na sua ausência que cicatrizava. Não lamentei. Ao contrário, sorri pela ousadia e pelo presente. Não é todo dia que uma visita inesperada acontece de vir nos surpreender. E de mais a mais, quando alguém empresta luz aos nossos porões podemos ver com alguma clareza os esconderijos dos nossos sentimentos. Só então a razão pode estar a nosso serviço. No pique esconde com os afetos, somos todos cabras-cegas a tatear o breu. Mas quando a luz nos revela o que estava oculto, aí sim podemos lidar com verdades e consequências.

Agradeço comovida à Poetriz por renovar o sentido de nossa breve correspondência. Deixo para você o bilhete que nos dedica, no desejo que de passagem por esta esquina, mesmo que breve, você também se reencontre como o destinatário de palavras que alimentam.

saudade,
Guilhermina