sexta-feira, 26 de setembro de 2008

mais vale um pássaro.



Ataulfo,

É isso que me fascina em você. Essa capacidade de em cinco minutos me permitir discordar de você e nos cinco minutos seguintes me comover, como conseguiu com um roteiro tão simples: andar, ir, vir e querer – revisão e reparação. Queria tatuar suas palavras até que me entrassem pelos poros, percorressem meu corpo até que fossem uma parte tão natural quanto a respiração.

De resto, entendi que partilhamos do mesmo desamparo diante da perspectiva de pagar ingresso para pensar, mas nossos motivos não são os mesmos. E, além disso, acho que seu antagonismo é mais veemente que o meu. Se entendi sua posição, a discussão por si é vão – masturbação diante do precipício. Ela só se justificaria por um ato que deveria ser-lhe conseqüente, como condição de existência, e dirigida ao outro, por causa e paixão.

Se concordo que a existência só se justifica pelo encontro, discordo no entanto de que o exercício do pensamento, tanto em seu vôo solo quanto em companhia do bando, não tenha valor por si. Dois motivos essenciais me garantem tal entendimento de valor, eu diria, inestimável.

O primeiro consiste no credo de que esse exercício, quando solitário, é a única via por onde cada um toma a si mesmo nas mãos, circunscrevendo seus desejos, paixões, causas, conflitos e impedimentos. Dessa forma, trata-se de um ato político e constitucional. Aquilo que nos dá contorno próprio e nos difere da massa que nos ameaça como uma tsunami.

O segundo motivo se escora na premissa de que cada um de nós só se transforma no encontro e, convenhamos, isso se dá na maioria das vezes, sem nenhum glamour ou alarde posto que se anuncia, via de regra, naquele instante em que a palavra alheia nos arrebata como um ato e nos cala. Resumindo, pensar e trocar me parecem um ato e uma arte.

O que me desampara, portanto, reside no fato de que tenhamos nos tornado tão analfabetos que sejamos obrigados a testemunhar esses “cursos” ortopédicos e fisioterápicos da mente, do discurso e da existência. E pior, o impasse: essas são as novas “ordens de troca”, da qual não posso fugir?

Querido, tenho que ir. A gente se vê em breve. Mas, antes, só uma perguntinha: você gosta de salada de atum?

Beijo,
Guilhermina

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