domingo, 7 de dezembro de 2008

nas esquinas e nos botecos


Guilhermina,


As esquinas e os botecos são, talvez, os espaços mais democráticos num conjunto social. Locais onde, pelo menos na minha mocidade, os seres pensantes, sem tempo pré estabelecido, aglutinavam-se para pensar o país, as artes, as modas e, até mesmo, a possibilidade da troca de confidências. Eram os lugares preferidos do ente literário para o exercício do falso silêncio e da observação. Nas esquinas ele absorvia o próximo personagem a ser criado ou, numa noite de pouca inspiração, num boteco qualquer, deixava a imaginação ir de encontro a algum par de olhos azuis.


Nas esquinas e nos botecos, os amigos reuniam-se sem horário nos lábios e sem cobrança no coração. Aliás, amigo, amigo mesmo, no meu entendimento, não se entrega a exigência do impor. As esquinas e os botecos não tem donos, capatazes ou patrões. As esquinas e os botecos odeiam as ambições profissionais. As esquinas e os botecos são pousadas obrigatórias, construídas pelo imaginário das criaturas atormentadas pelo Divino Ócio, pela contramão da precisão, pela mão única da ira apaixonada, pelas cafetinas da melancolia, pelos sentinelas da vingança, pelas trevas da lua negra, pelos cronistas da alma, pelos vampiros do sangue das canções, pelos ébrios jornalistas, pelos dramaturgos, pelos músicos e pelos poetas. Essas criaturas não vivem encarceradas ao tempo real do planeta. Não usam relógios. Não marcam encontros. Elas se avistam! E por esse simples fato, sentem-se felizes! Alegres pela constatação que os próximos, os comuns, os raros, estão vivos, respirando, sofrendo e comungando ou discordando dos nossos pensamentos e manias. Mas, acima de tudo, vivos!


Ando ausente das esquinas e dos botecos, pelo muito de afazeres que a vida vem me destinando. Esses sim, com hora, data e prazos. Ando ausente das esquinas e dos botecos pela exigência da profissão e, como disse antes, não a levo para o templo do Divino Ócio. Ando ausente das esquinas e dos botecos pelas agruras do cotidiano. A nova ordem econômica é temerosa...


Ataulfo com Guilhermina é uma esquina histórica, assim como, Aristides com Dias Ferreira. Pisaram em suas pedras portuguesas, no final dos anos sessenta, pés que tornar-se-iam clandestinos durante a ditadura militar. Os meninos da Aliança de Libertação Nacional. Eram encontros pela liberdade de ser, de estar, de locomover-se, de permanecer sem exigir do outro mais que o limite da vida. Por isso, Guilhermina, pra ti não desejo mais que a respiração!


Devo me ausentar por um tempo. Faça da nossa esquina e boteco, locais de convergência para outros pensantes.

Sem descortesia,

Ataulfo


Um comentário:

Nelida Capela disse...

Ataulfo: sentimos falta de você aqui no pedaço!