domingo, 14 de dezembro de 2008

ermo

Depois que deixei o bilhete para Ataulfo, andei pela avenida que tem seu nome durante o resto da noite, quando o caleidoscópio urbano silencia dando vez à amplificação dos sons que vêm de dentro.

Em toda despedida, mesmo que temporária, visito as mesmas sensações. Se me engasgo na emoção do desamparo, também me convoca a necessidade da ampliação. De visitar novos sentimentos, de seguir enfrentando outros desafios. Toda separação nos obriga a revisões, mas como um motorista, que sem perder a continuação da estrada, vasculha o espelho retrovisor.

Rita quis vir andar comigo, mas pedi a ela que me aguardasse voltar. Queria seguir só. Não olhei para trás. Não precisava. Tinha a certeza de que ela me aguardava na sua esquina, me acompanhando com os olhos de um anjo da guarda, silenciosa, como quase sempre ela é. Só você Rita, só você.

Eu presto muita atenção ao que o meu irmão ouve”... Quando Calcanhoto escreveu o verso, traduziu pra mim um sentimento que não encontrava as sílabas. Provavelmente pela distancia dos anos de diferença (quando meu irmão nasceu, eu já conhecia o esboço das minhas matizes) ele foi minha primeira lição de rejuvenescimento. Não sei se ele sabe o quanto lhe sou grata por me indicar novos anseios, me atualizar as percepções e me obrigar a novos entendimentos. Numa das noites da última semana, ele veio ao meu encontro e caminhamos um pouco, juntos. Você tem razão, querido: o desejo de uma esquina virtual é meu. Se Ataulfo aceitou meu convite, foi muito bom, mas por algum motivo, não o suficiente para que ele fizesse também dele essa “parada obrigatória por eleição” no final do expediente. Um happy hour. Uma das coisas boas que a língua inglesa nos empresta. Dizem até que felicidade é assim. Um fragmento do tempo.

Na quarta-feira, entrei pela João Lyra e segui até desembocar na Conde de Bernadotte. Virei à direita e parei para uma cachacinha na Academia. Nosso uísque nordestino devolveu-me um pouco da lembrança do cheiro da terra, do gosto das retiradas, da peixeira resolvendo afrontas e da rede tecida por mãos calejadas, enquanto se entoa o lamento, até que pronta, seja lançada ao mar, debaixo do sol tropical. Gonzaga veio com o zabumba e a sanfona; e Jackson com o pandeiro. O resto foi música.

Na noite seguinte, trafeguei pela Rota 66, que passa bem ali do lado. “Uma estrada de poeira e desolação, de fama e fortuna. Selvagem e solitária; doce e infinita”. Desta vez, o som ficou por conta de Janis Joplin e Jimmy Hendrix, que vieram chorar com a voz e com a guitarra. O resto foi indignação.

Na sexta voltei ao mesmo território e logo a seguir dei de cara com o Desacato. Tim Maia me recebeu no telão. Depois Cássia Eller cantou olhando pra mim. ... Prevê a dor e diz que a vida é feita de ilusão... Sentei e pedi um chope.

O Bispo do Rosário e o Profeta Gentileza também se aproximaram. Discursaram. Ora diretamente para mim, ora para a rua, como se quisessem penetrar a pedra da selva de arranha-céus. Pedi a benção, ansiando junto tanta inspiração. Quem sabe um dia a loucura também seja a minha sanidade. O resto foi um bicho que morde dentro e que resiste, empurra, insiste. Eu soube então que escolhera um novo lugar.

Liguei para Rita e convidei-a a vir ao meu encontro, anunciando meu novo endereço errante: www.esquinadodesacato.blogspot.com

Todos estão convidados. Espero vocês lá.
Beijo
Guilhermina.

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