domingo, 23 de novembro de 2008

sem "ismos", por favor

Ataulfo, olá;


Quero conversar com você sobre dois assuntos, que em princípio, não se conjugam. Vamos ao primeiro e, se der tempo, falamos do outro. Se não, fica para outro dia.


Você lembra, quando há algum tempo, acompanhamos a decisão de que fosse revista a palavra homossexualismo? O condutor da história era o uso do sufixo “ismo” que designa doença, no campo da medicina. É bom saber que desde 1985, o Conselho Federal de Medicina não cataloga a homossexualidade como doença. Entretanto, se a academia a oficializou há mais de duas décadas como um “modo de ser” (caracterizado na língua pelo sufixo “dade”), a sociedade tem levado mais tempo para tomar o conhecimento por verdade. Coisa que só se explica quando passeamos pela via que vai da ignorância ao medíocre. Fato é que, só mais recentemente, a luta contra a homofobia vem exigindo o uso correto do termo.


Desde então, o sufixo “ismo” é um desafio pra mim. Eu sempre disse às minhas filhas do meu horror e da minha incapacidade de negociar com drogas, ameaça à integridade física e “lavagem cerebral”. Nesta última categoria, eu incluía as seitas, os guetos ou qualquer organização em que para fazermos parte, temos que abandonar nossa capacidade crítica e nossa possibilidade de argumentação.


Adoro o singular, exatamente porque lhe cabe o plural. Não gosto, entretanto de coletivos, onde todos viram um só. O sufixo “ismo” encosta nesse território. Pensa comigo: Marx foi um pensador revolucionário, o Marxismo, em seu nome, coitado, devastou a individualidade e prometeu uma igualdade que nunca se cumpriu. Por sua vez, capital é uma palavra que nos remete a recursos; enquanto o Capitalismo logo se fez selvagem e brutal. Mudemos de campo. Há um Deus (ou muitos) que é (são) concebido(s) sempre em harmonia com o Universo e em prol da humanidade. Entretanto, quando o homem constrói seus templos e reúne-se em torno de um ou outro conjunto de dogmas, fundam doutrinas que não se suportam. Judaísmo, Catolicismo, Islamismo, Protestantismo, Espiritismo... E a partir daí, em nome de Deus, são capazes de qualquer coisa. Deus ganha contornos de propriedade e como tal pode ser vendido, alugado, disputado, leiloado e outras coisas mais. Mas religião é coisa muito complicada, então mudemos novamente de seara. Ego, por exemplo, nos remete a uma “consciência do eu”, uma auto-imagem, um contorno de cada sujeito considerando sua negociação entre suas pulsões e os impedimentos e vias para realizá-las. Egoísmo, entretanto, aponta justamente para a falência desta condição de negociar. O jornalista Públio José já discorreu sobre isso.


Como você vê, meu amigo, parece que a medicina tem razão. O sufixo “ismo” encerra um território de adoecimento. Lá onde deveria ser o espaço de encontros por identificação e afinidade torna-se, na verdade, um sumidouro do sujeito e do que lhe é próprio: a individualidade, a criatividade, a especificidade e outros “modos de ser”, que não por acaso, caracterizam o singular.


Assim, me parece que onde um “ismo” se inscreve acontece uma corrupção da possibilidade do encontro. Em seu lugar nasce uma doutrina e com ela uma liderança que se apropria indevidamente das regras, transformando-as perversamente em dogmas. A partir daí, essas lideranças contabilizam lucros enquanto seus seguidores pagam dízimos em troca de promessas e esperanças.


Agora me diga uma coisa: adoro o verbo empreender, mas Empreendorismo?! Que doutrina é essa?

Vou-me embora. Depois te conto o resto.

Beijo,

Guilhermina

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