sábado, 6 de dezembro de 2008

independência?

Independência nada mais é do que ter poder de escolha.

Não é sinônimo de solidão. É sinônimo de honestidade”.

Martha Medeiros


Independência = poder de escolha = honestidade ≠ solidão (?)


Li e reli a frase tentando identificar o que pensava e sentia a respeito dela. Não satisfeita, deixei sedimentá-la. Medo de precipitar-me? Talvez. No primeiro instante concordava com ela. E no instante seguinte, um incômodo não me permitia simplesmente arquivá-la.


Alguma coisa na ordem dos fatores, na sinonímia talvez, nas referências de igualdade. Vou dar tratos à bola, quem sabe Ataulfo, você vem em meu socorro.


Honestidade diz respeito a um modo de ser. Às vezes me parece até uma escolha em si, antes da escolha. Um terreno, um princípio, não exatamente no sentido moral; antes ainda, num sentido condicional. Honestidade não é, portanto, um de acordo com o que quer que seja, mas uma forma pela qual buscaremos realizar a escolha que for. Diz respeito a muito mais do que querer verdadeiramente algo; diz respeito a poder responder pelo que se quis, tomando para si a parte que lhe cabe dos efeitos do seu ato de escolha. O dicionário, inclusive, remete honestidade à probidade e à compostura. Num primeiro momento isso poderia ser compreendido como uma retidão inflexível e antiquada, mas uma reflexão, só um pouquinho mais ampla, nos indicará não essa rigidez arcaica, mas uma integridade, uma possibilidade de inteireza (probidade) e de composição (compostura). Sim, é preciso compor. Compor com as conseqüências de nossas escolhas anteriores, por exemplo. Especialmente aquelas que envolvem outros.


É verdade que devemos honestidade antes de tudo a nós mesmos. E somos seres mutantes, envolvidos numa dinâmica constante de interesses e condições, que nos exigem uma revisão de escolhas o tempo todo. Cada vez mais estou convencida de que não é o mundo que nos cobra coisa alguma, mas a nossa história. Àquela que escrevemos com nossas escolhas anteriores e os efeitos delas. Se a educação muito se põe como serva da moral e dos bons costumes, ditados pelas leis da tradição e propriedade; o “tenho que ser verdadeiro comigo mesmo” contribui para vivermos em recortes, como se não escrevêssemos um texto inteiro. Se não podemos prometer a ninguém sermos com-preendidos, temos sim o dever de inferirmos sobre causas e efeitos de nossas escolhas. E, longe de deixar de fazê-las, fazê-las com cuidado.


Seguindo, na direção do pensamento que a frase da Martha nos indica, a honestidade se difere ou se distancia da solidão. É? De certo modo, me parece que sim, posto a constância do nosso desejo de encontro com o outro. Mais que isso, desejamos ser para alguém. E, mesmo convencidos pelo poeta de que esse encontro só poderá ser eterno (se honesto) enquanto dure, dá um trabalho danado e uma dor imensa os sonetos de separação. Mas, por outro lado, quando não somos sós nas escolhas? Como se pode escolher senão pela intrínseca condição de fazê-lo só? Qualquer tentativa de escolher acompanhado ou determina o contorno da tirania ou a vontade (às vezes irresistível) de atribuir ao outro a responsabilidade por essa escolha...


No final das contas, então, não é somente sozinhos que podemos alcançar a independência de escolher? Honestidade e solidão não são condições pares da escolha?


Mais um pouco: Independência! Ou Morte? Não consigo supor independência sem autonomia e sem liberdade. Não somos, e ninguém é independente e livre. Somos, na melhor das hipóteses, bons negociadores na eterna cadeia de interdependência que a vida nos determina como um fato. Nossa odisséia nasce na necessidade do olhar, o mais poderoso de todos os grilhões. Sem o olhar não somos coisa alguma e não suportamos isso. Nascemos ao mesmo tempo ávidos e avessos ao olhar que nos delineia numa imagem, à qual ora queremos corresponder, ora fugir em disparada, como se longe dela pudéssemos ser esse “outro livre”. Resumindo, ou somos inteiramente dependentes ou damos vida à nossa própria escultura para além de criatura, visitarmos, mesmo assim ocasionalmente, a posição de criador.


Desculpe-me, Martha, mas a minha frase seria: Sós e honestos, a interdependência nada mais é do que podermos fazer e suportar nossas escolhas

(sós + honestos = interdependência = fazer + suportar escolhas).


Beijo,

Guilhermina

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